Sexo e natureza temperam novo CD do Kid Abelha
Paula Toller sempre foi chegada a uma provocação usando linguagem direta. Foi assim que o Kid Abelha ganhou popularidade, a partir de ‘Como Eu Quero’ (1984), mesmo que isso custasse acusações de reacionarismo na época. Em seu único disco-solo, ela apimentou um clássico de Assis Valente dos anos 1930, capaz de escandalizar as vovozinhas. Agora, há quem ache que foi ousada ao escrever a letra de ‘Poligamia’, uma das 11 canções inéditas da parceria com George Israel que compõem o novo CD da banda, ‘Pega Vida’ (Universal), que tem produção do galês Paul Ralphes e belo projeto gráfico de Fernanda Villa-Lobos, com desenhos de Mari Stockler.
Maduro, com sonoridade mais roqueira, depois do fenômeno ‘Acústico MTV’, e tratando de temas mais adultos do que o habitual, o Kid Abelha se equilibra entre o sexo e a natureza, sem deixar de ser urbano. ‘Poligamia’ já vem sendo chamada de “melô da galinha” pelas más línguas. Estaria Paula defendendo a liberdade de as mulheres serem tão promíscuas quanto os homens sem ser discriminadas por isso? Não é bem por aí. “A chave da letra está nos versos ‘abaixo o enguiço dos neurônios/ abaixo o desperdício de hormônios’. A sexualidade é apenas um dos temas do disco, é o que chama mais a atenção, mas tem também a proximidade com a natureza. É tudo parte de uma chamada para vida”, explica Paula.
Na faixa-título, uma das boas baladas do CD, há outro componente que converge para esse eixo vital: a dedicação ao outro. “Não é tão complicado ter prazer em dar prazer”, diz trecho da letra. “Sempre procurei ser muito direta, falando na primeira pessoa e sem ficar relativizando as coisas. Entre as coisas que proponho é ser clara, provocar e esperar para entender o que as pessoas acham disso”, diz a cantora.
Outra característica retomada pelo grupo é a de trazer para sua linguagem canções alheias. Desta vez Paula, George e Bruno Fortunato reavivam ‘Será Que Eu Pus um Grilo na Sua Cabeça?’ (Guilherme Lamounier/Tibério Gaspar), de 1973, nos moldes de ‘Na Rua, na Chuva, na Fazenda’ (Hyldon), do álbum ‘Meu Mundo Gira em Torno de Você’, de 1996. Ambas são de temática rural e foram vertidas para o reggae.
Única não inédita do disco
‘Grilo’ serviu de base para a melancólica ‘Mãe Natureza (Querência)’, que reflete sobre a distância que as pessoas urbanas sentem da vida campestre. “Não é tão flower power quanto a outra, mas é uma outra geração do mesmo assunto”, observa Paula. O sexo reaparece em ‘Eutransoelatransa’ e ‘Strip-Tease’.
Como essas, outras canções estão coligadas pela temática. A autobiográfica ‘Duas Casas’ trata das dúvidas de filhos de pais separados, em busca de um ponto de referência. É próxima de ‘Órion’, que disserta sobre as ambigüidades da saudade. Dúvidas, incompatibilidades e ambigüidades também surgem em letras como as de ‘Eu Tou Tentando’, ‘Porque Eu não Desisto de Vc’ e ‘Eutransoelatransa’.
Em algumas, Paula brinca com a grafia das palavras usando linguagem de chat virtual. “Acho importante saber a linguagem formal, mas isso está na moda, é divertido, é um código como em qualquer tribo. Só não acho que deve ser usado por ignorância. Em outras letras eu grafei ‘porque’ e não ‘pq’, para saberem que eu sei escrever direito”, ironiza.
Com ‘Pega Vida’, a despeito de correntes contrárias, o grupo se mantém como um dos poucos expoentes da geração revelada nos anos 1980 a produzir algo atraente no pop nacional, com canções redondas e sonoridade vitaminada. E também porque, além de cunhar letras atrevidas, Paula continua cantando deliciosamente agridoce.
Por Lauro Lisboa Garcia
[ Ag. Estado ]